NeuropsicopedagogiaPsicopedagogia

Estudo de Caso: A Menina com Duas Memórias

Esse não é mais um estudo de caso comum, é um atendimento feito a partir do Protocolo Homes-Oliver criado por mim – Pp. Daliane Oliveira e eu realmente espero que você profissional que analisar esse estudo de caso possa compartilhar comigo o que achou e se esse protocolo faz sentido pra você. Para que fique bem claro esse protocolo segue a linha de observação Forense.

O Caso que Desafiava a Lógica

Paciente: Sofia, 15 anos
Encaminhamento: Emergência psiquiátrica encaminhada para avaliação psicopedagógica urgente
Apresentação inicial: Duas professoras diferentes descreviam duas alunas completamente distintas na mesma estudante.

Relato da professora de Matemática:
“Sofia é genial. Resolve problemas complexos, participa de olimpíadas, tem raciocínio lógico excepcional. Nota 9,8.”

Relato da professora de História:
“Sofia não consegue lembrar o que estudamos na semana passada. Esquece datas, nomes, eventos básicos. Parece ter algum comprometimento grave de memória. Nota 3,2.”

A mãe, desesperada: “Ela estuda 6 horas por dia. Para matemática, parece que tudo gruda. Para história, é como se estudasse em uma língua estrangeira.”


CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE


Advertisement

Investigação: Quando os Dados se Contradizem

Análise da Linha do Tempo

  • Infância: Desenvolvimento normal, leitora precoce
  • 12 anos: Primeiras queixas de “esquecimento” seletivo
  • 13 anos: Diagnóstico de “déficit de atenção” (tratamento sem melhora)
  • 14 anos: Suspeita de “depressão mascarada”
  • 15 anos: Evento desencadeador: Troca de escola para instituição mais exigente

Mapa das Discrepâncias

O que funcionava:

  • Matemática, física, química → excelência
  • Música (leitura de partitura) → talento natural
  • Xadrez → campeã estadual
  • Lógica formal → capacidade excepcional

O que “falhava”:

  • História, geografia, literatura → “apagava” conteúdo
  • Datas, sequências temporais → memória de curto prazo deficitária
  • Vocabulário específico de humanas → não fixava
  • Padrão bizarro: Esquecia o nome de professores, mas lembrava suas disciplinas

Reações Emocionais Observadas

Durante estudo de exatas: → estado de fluxo, felicidade, imersão total
Durante estudo de humanas: → ansiedade crescente, dor de cabeça, expressão de “pânico cognitivo”
Frase reveladora: “Quando estudo história, parece que as palavras escorregam do meu cérebro.”


CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE


Advertisement

Explorando os Sistemas: A Investigação Profunda

História Familiar (Genética + Ambiente)

  • Pai: Engenheiro, “também era assim com humanas”
  • Mãe: Advogada, excelente memória verbal
  • Irmão mais novo: Perfil similar, menos acentuado
  • Avô paterno: Matemático, diagnosticado com “esquizofrenia” na década de 1970 por “pensamento muito lógico”
  • Contexto familiar: Valorização extrema da performance acadêmica; “nota 9 é fracasso”

Avaliação Neuropsicológica Diferencial

Testes aplicados revelaram:

Memória:

  • Memória de trabalho visual-espacial: percentil 98
  • Memória verbal imediata: percentil 15
  • Memória episódica autobiográfica: preservada
  • Memória semântica (fatos): seletivamente comprometida

Processamento:

  • Raciocínio lógico-dedutivo: superior
  • Raciocínio verbal-analógico: inferior
  • Velocidade de processamento verbal: muito lenta
  • Velocidade de processamento não-verbal: muito rápida

Perfil Sensorial:

  • Hipersensibilidade auditiva seletiva: tons de voz agudos “cortavam” sua concentração
  • Sinestesia número-cor-forma detectada (os números tinham personalidades)

O Teste Decisivo: Estudo com Neuroimagem Funcional

Com encaminhamento neurológico, realizamos um experimento controlado:

Durante tarefa de álgebra:

  • Ativação intensa do córtex pré-frontal dorsolateral
  • Sincronia entre lobos parietais
  • Baixa atividade amigdalar (baixa ansiedade)

Durante tarefa de memorização de datas históricas:

  • Hiperativação da amígdala (resposta de medo)
  • “Desligamento” relativo do hipocampo
  • Ativação difusa e ineficiente

Conclusão preliminar: Ansiedade de desempenho específica que ativava uma resposta de “bloqueio cognitivo” seletiva.


CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE


Advertisement

O Diagnóstico: Não Era um, Eram Vários

Condições Identificadas:

  1. Transtorno de Aprendizagem Não-Verbal (TANV) subtipo direito
  2. Ansiedade de desempenho específica com componente fóbico
  3. Sobredotação em raciocínio lógico-matemático (dupla excepcionalidade)
  4. Perfil sensorial atípico com sinestesia
  5. Síndrome do impostor desenvolvida secundariamente

O Mecanismo:

Quando exposta a conteúdos que exigiam:

  • Memória verbal arbitrária
  • Processamento emocional de narrativas
  • Conexões sociais/históricas

Seu cérebro ativava um circuito de ansiedade antecipatória → liberação de cortisol → “sequestro” do hipocampo → impossibilidade de consolidação mnêmica.

Em contraste: Conteúdos lógico-simbólicos ativavam circuitos de recompensa → liberação de dopamina → consolidação eficiente.


Intervenção: Reprogramando o Sistema

Fase 1: Quebrar o Ciclo de Ansiedade

  • Terapia de Exposição Gradual: Começar com conteúdos de humanas de 1 minuto, em ambiente relaxado
  • Biofeedback: Ensino de auto-regulação da resposta de ansiedade
  • Reposicionamento cognitivo: “Não é que você não consegue; é que seu cérebro fica assustado com isso”

Fase 2: Estratégias de Compensação

Para memória verbal:

  • Método de loci transformado: Datas históricas “armazenadas” em fórmulas matemáticas
  • Tradução lógica: Eventos históricos transformados em “equações” (Causa → Variáveis → Consequência)
  • Conexões pessoais: Relacionar fatos históricos com experiências matemáticas (Revolução Francesa = “sistema de equações sociais”)

Fase 3: Reestruturação Pedagógica

Em História:

  • Abordagem temática em vez de cronológica
  • Foco em padrões, não em datas
  • Uso de infográficos, diagramas de fluxo, mapas conceituais
  • Avaliação por análise de padrões, não por memorização

Adaptações específicas:

  • Permissão para fazer provas de humanas em formato de “análise lógica”
  • Tempo estendido para processamento verbal
  • Uso de gravador para aulas (evitar a dupla tarefa de ouvir + processar)

Fase 4: Fortalecimento da Identidade

  • Grupo de dupla excepcionalidade: Encontro com outros jovens “desiguais em diferentes áreas”
  • Mentoria: Matemática que ama literatura, mostrando pontes possíveis
  • Narrativa de reconstrução: “Você não é metade genial/metade deficiente. Você é um pensador sistêmico que precisa de ferramentas específicas”

Fase 5: Família como Aliada

  • Redefinição radical de sucesso: não média geral, mas progresso nas áreas de desafio
  • Eliminação da pressão por “notas perfeitas”
  • Valorização do pensamento original sobre a memorização
  • Frase-chave para os pais: “Ela não precisa ser boa em tudo. Precisa ser saudável em tudo que faz”

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE


Advertisement

Seis Meses Depois: A Integração das Duas Mentes

Sofia não se tornou uma aluna “igual” em todas as disciplinas. Isso seria uma expectativa irrealista.

Mas o que mudou radicalmente:

  1. História: Nota 3,2 → 6,8 (com significado real do aprendizado)
  2. Ansiedade: Episódios diários → 1-2 por semana, com autorregulação
  3. Autoimagem: “Defeituosa” → “Pensadora diferente com desafios específicos”
  4. Estratégias: Desenvolveu seu próprio “sistema de tradução” para conteúdos verbais
  5. Social: Encontrou um grupo de amigos que valorizava seu pensamento original

Momento simbólico: Quando apresentou um trabalho de história usando teoria dos grafos para mostrar alianças políticas na Segunda Guerra Mundial. A professora chorou ao ler: “Nunca vi ninguém pensar a história assim.”


Lições para a Prática Clínica

Princípios Investigativos:

  1. Desconfie da consistência: Quando um perfil é consistentemente inconsistente, há algo estrutural
  2. Procure os limites da defasagem: Até onde as habilidades preservadas conseguem compensar?
  3. Mapeie os gatilhos emocionais: O que muda no estado emocional durante diferentes aprendizagens?
  4. Explore a família ampliada: Padrões transgeracionais explicam muito

Marcadores de Dupla Excepcionalidade:

  1. Discrepâncias extremas entre domínios cognitivos (>2 DP de diferença)
  2. Sofrimento emocional associado às áreas de dificuldade
  3. Histórico de diagnósticos parciais ou conflitantes
  4. Presença de talentos excepcionais em áreas específicas

Abordagem Terapêutica:

  1. Não normalize as contradições: Elas são a essência do caso
  2. Use os pontos fortes como porta de entrada: Matemática como linguagem para acessar humanas
  3. Trate a ansiedade primeiro: Sem regulação emocional, não há plasticidade cognitiva
  4. Empodere com autoconhecimento: A adolescente deve entender seu funcionamento melhor que qualquer profissional

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE


Advertisement

O Paradigma Revisitado

Sofia não tinha “duas memórias”. Tinha um sistema cognitivo com vias de processamento drasticamente diferentes que, em interação com um ambiente acadêmico padronizado, criava a ilusão de duas pessoas.

Nosso trabalho foi:

  1. Diagnosticar não o “déficit”, mas o perfil
  2. Intervir não para “corrigir”, mas para integrar
  3. Educar não só a adolescente, mas todo o seu ecossistema

A maior conquista não foi a nota em história. Foi Sofia dizer, sem ansiedade: “Eu não sou boa em memorizar datas, mas consigo analisar padrões históricos como ninguém na minha sala. E está tudo bem.”


“A mente humana não vem em modelos padrão. Nosso desafio como profissionais é abandonar os manuais de diagnóstico que procuram encaixar pessoas em categorias, e desenvolver olhos que veem a arquitetura única de cada cognição. O cérebro não é uma máquina com defeitos a reparar, mas um ecossistema a ser compreendido em sua complexidade singular.” Pp. Daliane Oliveira

Este caso representa uma síntese de vários perfis clínicos reais, com dados anonimizados e recombinados para fins educacionais, preservando totalmente o sigilo ético.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *