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Além da Queixa: Por que a Dificuldade Visível é Apenas a Ponta do Iceberg?

O Chamado que Chega


Você conhece essa cena: uma família agenda uma avaliação psicopedagógica trazendo na bagagem uma lista de preocupações. “Ele não acompanha a turma na leitura”, “Ela é muito dispersa”, “Não consegue aprender matemática”, “A escola suspeita de um transtorno”. Essa é a queixa manifesta, o motivo aparente da consulta. Para muitos, é aqui que o trabalho começa – e, para alguns, infelizmente, é onde também pode terminar, com um rótulo rápido e uma intervenção genérica.

Como psicopedagogas(os), nosso primeiro e mais crucial ato de competência é desconfiar da obviedade da queixa. Ela é fundamental, sim, mas não como diagnóstico. Ela funciona como a ponta de um iceberg: sinaliza um obstáculo à frente, mas a massa real, a estrutura que sustenta e explica aquela ponta, está escondida nas profundezas. Nosso verdadeiro trabalho é mergulhar.

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A Armadilha da Superfície: Por que Intervir na Ponta é Insuficiente

A pressão por resultados rápidos, a angústia da família e a demanda escolar podem nos levar a tratar o sintoma visível. Trabalhar apenas a leitura mecânica de quem não compreende o texto, ou exercícios de atenção para quem está ansioso, é como tentar derreter a ponta do iceberg com uma chaleira. O alívio é temporário, mas a estrutura submersa, intacta, logo fará surgir uma nova “ponta” – talvez uma dificuldade em outra área, um comportamento opositivo ou uma desistência silenciosa.

Intervenções baseadas apenas na queixa superficial são paliativas. Elas não transformam a relação do sujeito com o aprender. Para isso, precisamos da causa, não do efeito.

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O Mergulho Necessário: O que Compõe a Base Submersa do Iceberg?

Se a ponta é a queixa (“dificuldade em matemática”), a base é tudo o que a constitui. É na investigação dessa base que está a arte da nossa avaliação. O que precisamos explorar?

  • A História de Aprendizagem: Como foi o percurso desde os primeiros anos? Havia curiosidade? Quando e como o desinteresse ou a frustração começaram?
  • O Mundo Emocional e a Autoestima: O que essa dificuldade significa para ele? Ela o vê como “burro”? Como lida com o erro? A ansiedade bloqueia seu raciocínio?
  • O Contexto Familiar e Escolar: O ambiente é de apoio ou de pressão excessiva? As expectativas são realistas? Houve mudanças, perdas ou conflitos que impactaram a segurança emocional necessária para aprender?
  • As Habilidades Subjacentes: Para a queixa visível funcionar, quais funções cognitivas, psicomotoras ou socioafetivas podem não estar consolidadas? (Ex.: Dificuldade em redação pode envolver planejamento, vocabulário, autoestima *e* coordenação motora fina).
  • O Estilo de Aprendizagem e o Ensino Recebido: Existe um desencontro entre como ele aprende e como estão ensinando?

A queixa, portanto, é apenas a primeira pista. É a capa de um livro complexo. Nossa avaliação é a leitura atenta de cada capítulo.

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Um Convite à Prática Reflexiva: Perguntas que Guiam o Mergulho

Para orientar seu próximo processo avaliativo, faça a si mesma estas perguntas-chave, que nos tiram da superfície:

  1. Funcional: O que essa dificuldade faz pela criança/adolescente? Ela o protege de algo (ex.: da exposição, da frustração)?
  2. Contextual: Em quais situações a queixa aparece ou piora? E quando ela não aparece? (Isso revela habilidades preservadas e gatilhos).
  3. Histórica: Qual foi o ponto de virada? Houve um momento em que o aprender parou de fazer sentido ou tornou-se doloroso?
  4. Sistêmica: Essa é uma dificuldade do aprendente ou um sintoma de um desajuste no sistema (família-escola-indivíduo)?

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Da Técnica à Arte

A avaliação psicopedagógica que transforma vidas vai muito além da aplicação de testes e provas. Ela é uma investigação narrativa. É a arte de ouvir os silêncios, observar os processos, conectar os pontos de uma história única.

Quando aceitamos o convite de mergulhar além da queixa, deixamos de ser técnicos que consertam problemas e nos tornamos arquitetos de novas possibilidades. Possibilitamos que o sujeito não só supere uma dificuldade específica, mas ressignifique toda a sua experiência de aprendizagem.

Este artigo é o primeiro de uma série especial aqui no blog: “Além da Queixa: A Avaliação Psicopedagógica Profunda”. Nos próximos textos, vamos desvendar, passo a passo, cada etapa desse mergulho: a escuta ativa, a observação clínica, a síntese diagnóstica e a devolutiva transformadora.

Fique atento(a) e compartilhe com colegas que acreditam que toda queixa esconde uma história que merece ser entendida.


E você, já passou por uma experiência em que investigar a fundo uma queixa revelou uma causa completamente diferente do que parecia? Conte nos comentários como foi esse processo!

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